Aos poucos a vida volta, ao se esvair de vez.
A onda que vai leva a mesma água que virá na onda seguinte, que, todavia, será diferente da anterior.
A sucessão de ondas revolve o mar, a ponto de a água que me bateu os pés na Caparica no ano passado estar agora em Salvador, a banhar uma menina absorta, sem ela saber que a vida ainda lhe trará dissabores e depois alegrias e depois descidas ao inferno, antes de novas subidas aos céus.
A onda que me bateu os pés em Portugal viajou entre famílias de baleias, de golfinhos e de tubarões. Repousou em corais e dormiu junto com arraias. Daqui a um minuto, estará de volta à viagem, nas costas duma tartaruga.
De volta à vida que vai e que volta, vejo os sinais do velho mundo. Mundo de construções que tentam parar o tempo, perdidas num passado que já nem existe. Diante destes monumentos preguiçosos, o futuro conclama outros reis, que erijam mundos novos, capazes de constantes mudanças.
Mundos que, apesar da concretude e da História, consigam ser diferentes do que teriam sido minutos antes.
Como se Évora, daqui a uns meses, surgisse numa praça de Kyoto, entre letreiros luminosos e cerejeiras em flor, enquanto aparecesse aqui, no Terreiro do Paço, uma oca Yanomami, com homens, mulheres e crianças a ensaiarem o Kuarup, depois de despejarem uma jarra de xibe sobre a cripta de Santo Antônio.
Você surpreende a cada dia. Lindo. E tão profundo. Obrigada por se derramar assim, em tantas formas.
Sinto exatamente isto, Ana, que estou derramando-me…