Normalmente, não uso este meu blog como confessionário. Desta vez, no entanto, eu quero me abrir com você.
Quero falar duma dor, que vem-me magoando há, pelo menos, três anos. É a dor deste menino na foto acima.
Este menino morreu num quarto de casal, depois de o marido pedir para ele lhe tocar o pênis enorme e ereto. O menino tinha 10 anos. Antes disto, ele já havia morrido noutros espaços, com outros homens adultos a lhe exigirem este mesmo toque – ou coisa pior.
Este menino era “livre” e circulava pela cidadezinha, entrando e saindo das casas, sem ser visto. A invisibilidade era a sua marca e o seu estigma.
Outra marca sua era o desamor. Ninguém o amava a ponto de lhe dizer que tocar pênis adultos era um crime, uma prisão e, jamais, um sinal de liberdade. Ninguém sabia destas violências e, em muitos aspectos, ninguém se importava.
Este menino morreu e, agora, ele quer voltar à vida. Porém, ele tem medo de tudo e de todos. Ele não sabe o que fazer, ele está completamente confuso com o que a sua vida pode ser, se a vida for novamente sem amor ou liberdade.
Estou, há quase três anos, tentando lhe dizer que posso ama-lo, sem lhe pedir nada em troca. Apenas cuidar dele, dar-lhe uma casa segura, dar-lhe amor de verdade. Por medo de se perder outra vez, ele corria em direção a um abismo e eu não solto a sua mão, nem conseguia pará-lo. Eu também tenho medo.
Ontem, este menino perdeu uma irmã, Vera.
Sem o saber, esta adorável mulher foi, para ele, um porto seguro. Conversavam por horas e horas, no quarto de costura. Com ela, o menino era feliz e conseguia ser ele mesmo. Esta irmã sempre lhe foi um apoio amoroso. E ela partiu! Ao saber disto, o menino parou de correr.
Ele está chorando, neste momento, e está parado. É a minha chance do o abraçar e de o acalmar, mas tenho receio de que ele fuja. Até porque ambos choramos, à beira do abismo, pela perda de Vera. Foi-se com ela uma parte fundamental deste menino e agora ele está submerso em sombras.
Estou triste e senti vontade de desabafar com você. É um risco e tem nada a ver com coragem. Fá-lo por puro egoísmo, porque quero um abraço seu.
Eu quero ser abraçado, não o menino. Ele tem medo de abraços. Talvez, este menino, ao me ver abraçado sem morrer por isto, entenda finalmente que o pior já passou e que o abismo é um destino a ser evitado.
Por outro lado, pode ser que não haja abraço nenhum e está tudo bem. Não é sua culpa, amigo leitor ou leitora. Pode ser que eu é que tenha que abraçar a mim mesmo e sofrer, por mim, pelo menino e por Vera, que se foi.
É provável que assim o seja. À beira do abismo, eu é que devo me abraçar, ensinando o menino a fazer o mesmo. Talvez, este seja o jeito de o ressuscitar e de me fazer re-encaixar-me na vida.
Peço-lhe que não espere que eu volte a fazer isto aqui. Expor estas memórias, desta forma, foi uma tentativa de desbloquear o medo. Às vezes, quando assumimos sobras densas como esta em público, passamos a sentir que elas não são capazes de nos cegar. Como disse, não escrevi isto aqui por ser corajoso, mas por ser egoísta.
Acima de tudo, fi-lo para que o menino entenda, de uma vez por todas, que ele é maior do que a vida que lhe deram e mais forte do que o homem que o matou, naquele quarto tomado pelo cheiro do perfume adocicado da sua esposa traída.
Murilo, acabei de ler o seu texto.
Fico triste por sua perda. Nunca conheci Vera pessoalmente, mas sei o quanto ela era importante para você.
Não sei como posso ajudar nesta hora.
Mas saiba que, se você achar que eu possa ajudar de alguma maneira, diga.
Os meus sinceros sentimentos.
Um abraço,
Cássio.
Cássio, a sua leitura e a sua preocupação já são um grande suporte. Sinto-me abraçado. Muito obrigado.
Só hoje li essa postagem. Calou fundo em mim. Pela perda de sua irmã, a solidão que isso provavelmente acende em você, e pelas dores desse menino e suas – essa unidade que se parte assim e que parece não encontrar sossego. E fico a olhar para o Murilo que tanto se transformou desde que o conheci, que vejo hoje forte, ativo, criativo e criador e para o menino da foto, que me lembra muito o Murilo que conheci, mais frágil e sofrido, embora alegre e amoroso. Com esperança que a vida lhe ofereça a possibilidade de curar essa ferida. Um abraço muito forte, meu amigo.