Corro o risco de me embrenhar de vez por esta selva de significados ocos, onde se perdem os amantes das palavras.
Estou prestes a me tornar um homem taciturno, destes que observam, feito tolos, os pequenos acontecimentos que perfazem os dias das praças, das casas e das escolas, para transformá-los em exercícios fluorescentes de prosa animada.
Ser-se assim é dolorido e enoja a generalidade das pessoas. Implica a percepção de olhares tortos, de cochichos risonhos, dirigidos à figura estranha carregada de blocos de notas, vista amiúde a fotografar formigas em fila, ou ervas daninhas incrustadas nas pedras das calçadas, porque, para ela, toda feiura tem graça e beleza demasiada é enfadonha.
Ainda que faça nada, as pessoas por mim sentir-se-ão invadidas e desejarão a minha saída definitiva do cenário que as envolver, a qualquer hora corriqueira da vida.
Depois de entrar pela selva onde dançam os senhores e senhoras da escrita, serei a ponta pustulenta da espinha graúda na cara da menina e a unha encravada a tirar o sono do burocrata que, à minha frente, tomará um café a seco em pleno meio-dia.
Serei a lembrança das máculas passadas das levas de homens e mulheres desgraçados, que habitarão a cidade onde, sorrateiro e vil, exercerei o ofício ignaro de roubar as memórias e imaginar as dores de gente que, sem mim, manter-se-ia satisfeita com o efeito oportuno dos diazepínicos. A minha presença obriga-las-á a dar nome à sombra que lhes zomba e lhes expõe, insolente, a miséria das suas derrotas constantes.
Eu serei o reflexo humano desta sombra horrorosa. Serei detestado por cada letra que eu desenhar num papel e jamais serei perdoado.
Bilionários comprarão a minha mazela, para pendurá-las em paredes holográficas, como modelo a não ser seguido por quem desejar o sucesso. Donos do presente e do futuro, lançarão ainda contra mim o ódio dos algoritmos.
Jamais farei fortuna com a minha imagem abjeta. Serei para sempre uma entidade malquista, a partir do momento em que eu adentrar na selva escura dos literatos e iniciar o caminho sem volta da minha saga poética.