Amar o abutre, latrina da Terra,
devorador da nossa carne apodrecida.
Amar o abutre, fera pertinaz, vigorosa.
Criatura retratada como demoníaca
pela injusta percepção humana,
baseada em noções equivocadas de beleza.
O abutre, símbolo da permanência da vida,
mestre em faxinar o planeta,
auxiliar da dama ceifadora,
que amedronta enquanto guia
pelo vale misterioso da existência.
Anjo acostumado ao trabalho árduo.
Hábil, seja qual for o serviço
que a natureza lhe imponha.
Salva-nos, na floresta ou no deserto,
duma vida soterrada em carniça.
Dentre estes pássaros sublimes,
há o pedrês, o grifo de Ruppel.
Magnífico, voa para além das nuvens.
Visita, quando quer, a casa das estrelas.
Viaja através dos continentes,
desafiando a gravidade terrestre.
Compõe família numerosa,
com a qual divide o que sobra
da mediocridade medrosa dos que lhe afugentam.
Fôssemos espertos, prescindiríamos dos cemitérios.
Entregaríamos os nossos corpos, na hora da partida,
aos cuidados destes enfermeiros maravilhosos,
cujo olhar expressa a meiguice dos seres elevados.