Perversidades

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“Beijinho no ombro”… de quem, afinal, Yanis Vourafakis? // Imagem do autor.

Parecem-me tão perversas quanto a ‘racionalidade’ cheia de ‘humores’ dos mercados, defendida com unhas e dentes por muitos tecnocratas ibéricos e sul-americanos, as estratégias retóricas de caráter político-eleitoral, à esquerda e à direita, que vêm buscando o renascer de utopias entre os povos europeus atingidos pela sanha ultraliberal das últimas décadas. Ainda assim, torço para que o Syriza consiga, ao costurar alianças com a extrema direita grega, reunir o povo e mobiliza-lo, social, política e economicamente, em redes de ente-ajuda solidária, para os tempos difíceis que os esperam.

Minha desconfiança ancora-se no fato de que estas promessas eleitorais redentoras contrariam interesses históricos, especialmente no interior dos países onde incidem. Tais interesses ‘dominantes’ conseguiram, nas Universidades, ao longo das três últimas décadas, formar um exército de ‘especialistas’ em sua defesa e manutenção. Temos que conhecer intimamente estes ‘intelectuais orgânicos do neoliberalismo’, no sentido do desarmamento deste exército sem alma. Para tanto, precisamos perceber suas manobras e isto implica a solução de algumas questões políticas mais ligadas aos meandros da subjetividade destes sujeitos do que às instituições e corporações.

Vejamos o caso de Portugal: o que leva o governo português a estar, por meio de seus governantes, tão subserviente e comprometido com as políticas de austeridade? Estão possuídos por um tipo qualquer de altruísmo incompreensível, uma vez que suas posturas são, antes de tudo, ideológicas? Será mera idolatria? Ou estão, em alguma medida, ‘contratados’ pelos ‘donos de capital global’, para levarem à cabo medidas de seu interesse, à custa do sofrimento de milhões de pessoas?

Antes de serem perguntas retóricas, parecem-me interessantes hipóteses de pesquisa. Quem dera eu pudesse acessar os corações e mentes destes e destas tecnocratas! A única certeza que tenho, por enquanto, é a de que as suas motivações iniciais são também eleitorais: para terem chances nas próximas eleições portuguesas e espanholas, partidos da centro-esquerda e da centro-direita, nomeadamente os espanhóis e portugueses, ‘reinantes’ nas respectivas esferas políticas desde o desmantelamento das ditaduras franquia e salazarista, precisam eliminar quaisquer chances de fortalecimento de utopias como as do Syriza (ou mesmo da Frente Nacional francesa). Contra a brecha política grega, capaz de levar à morte os projetos de

Primeiro Ministro português parece subserviente à mandatária alemã, Angela Merkel.
Primeiro Ministro português, Pedro Passos Coelho, parece subserviente à mandatária alemã, Angela Merkel. Por quê? // Imagem da internet.

poder renascidos na península ibérica no ocaso dos regimes totalitários do século passado, vale o mais cru pragmatismo, regado por discursos fundados em indicadores macroeconômicos e ancorados na absoluta subserviência aos poderes centrais, diretamente ao alemão.

Muitos intelectuais apregoem a falência das instâncias democráticas atuais, são elas que têm orientado as estratégias de manutenção ou de sublevação dos ‘status quo’ políticos, em toda a Europa. Eu, por minha vez, advogo pela sua transição para um ‘sistema’ em que as tecnologias de informação substituirão a burocracia. Pode ser que os poderes locais consigam dividir competências jurídicas com os poderes nacionais ou dos blogs transacionais. Diante dos desdobramentos do caso grego, a derrocada final do modelo de democracia representativa, importado da Europa por nós, latino-americanos, foi adiado para quando o mundo tiver a resposta acerca do sucesso ou do fracasso das negociações capitaneadas pelo seu Ministro das Finanças, Yanis Vourofakis.

Antes disto, teremos a demagogia e a esperança convivendo lado a lado, o medo de ‘golpes’ de mãos dadas com ‘sonhos revolucionários’ ou com ‘projetos reformistas’ e, mais que nunca, teremos a ação insidiosa dos tais mercados sobre a vida de milhões de pessoas, mercados estes protegidos pela vilania ou pela ingenuidade de pobres gentes, que deveriam estar engajadas na derrocada de sistemas econômicos que lhes roubam a autonomia, tão duramente conquistada.

Depois do Syriza, pouco espaço restará para a utopia. Por amor ao sonho, quero bem ao projeto de poder de Tsipras e cia., apesar da perversidade inerente à sua ascensão, na medida em que seu ‘recém-nascido’ empreendimento político manobrou sonhos dos gregos apavorados, prometendo-lhes escapar do matadouro neoliberal, sem antes identificarem e eliminarem os carrascos que agora, mais uma vez, têm a faca e o queijo nas mãos, apesar da Grécia.

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